Recorrentemente sou interpelado com questionamentos sobre o futebol. E não são poucas as indagações. Uns perguntam sobre o real merecimento de salários pornográficos por algumas estrelas. Outros questionam a validade de se perder tanto tempo com um “somente um jogo”. Há quem questione se os valores das milionárias transferências não teriam melhor serventia se aplicados em questões sociais e por aí afora.

Normalmente para encurtar uma discussão inócua sobre o tema cito a célebre frase de Arrigo Sacchi, grande treinador italiano, para quem o futebol seria “a coisa mais importante dentre as sem importância”. Tal assertiva, no entanto, não apazigua as almas mais inquietas. A estes, vou além...

O Futebol é apenas o esporte mais praticado, assistido e que movimenta valores e profissionais no globo. Muitas vidas tem sua subsistência atrelada à atividade econômica futebol. O esporte tem seus expoentes, verdadeiros artistas e por isso, para alguns, seriam estes merecedores de recebimento de valores acima da média do mercado.

Ocorre que o futebol é o esporte mais amado ou odiado por ser exatamente o mais humano. Nele temos a repetição de inúmeras nuances da sociedade, virtudes ou mazelas.

Lembremos que os milionários do esporte são poucos e muitos efetivamente não valem as quantias que recebem. A maioria dos filiados à FIFA vive com salários mínimos mundo afora e por muitas vezes nem isso. Cabe também ressaltarmos que o futebol é objeto da lavagem de dinheiro, seja aquele originário do espólio da antiga União Soviética, dos petrodólares, do crime ou de qualquer outra negociata ou descaminho, o que inflaciona o mercado fazendo com que jogadores medianos recebam verdadeiras fortunas (repassando, claro, parte dos vencimentos a quem ‘de direito), sempre beneficiando empresários ou entidades.

O futebol é um espelho real da sociedade. Há Clubes devedores de salários, impostos, gestões que pilham e saqueiam entidades. Como tudo o que envolve poder e dinheiro, o futebol corrompe e também está corrompido. Lembremos dos delegados da FIFA afastados do futebol por recebimento de propinas para as eleições de Brasil, Rússia e Catar para sedes de Copa. Não nos olvidemos dos estádios no Brasil feitos para duas partidas que custaram ao erário mais do que duas vezes a nova casa do Juventus de Turim, ao pé dos Alpes, com material e trabalho europeus. Tenhamos em conta que Teixeira está refugiado nos USA, que Marin (biônico militar) embolsou uma medalha em competição oficial (e o goleiro que ficou sem a mesma, recebeu compensação ao ser convocado para a seleção nacional mesmo sem nível para tal, quando o “Zé das Medalhas” presidia a CBF) e que o presidente atual da entidade-mor do esporte no país não pode representá-la no exterior sob o risco de ser preso pela Interpol durante o traslado.

Um exemplo didático de como as coisas ocorrem temos no vivenciado durante o Paranaense deste ano. O J. Malucelli foi penalizado com a perda de pontos, recuperou os mesmos com liminar dando efeito suspensivo e mesmo assim a Federação estadual homologou a rodada inaugural da fase classificatória, com julgamento posterior ao seu início. Hoje, no STJD, a equipe vizinha ao Parque Barigui foi punida e o Rio Branco, conduzido ao mata-mata mas não oitavo, sua classificação e sim no lugar do quarto, numa ofensa clara à tradição e ao regulamento da competição que previa o cruzamento olímpico. (Até o envio destas linhas não decidiram se haveria jogo único em Londrina, sacando a oportunidade da equipe parnanguara de atuar frente sua torcida – para não comprometer o calendário – ou se ocorreriam dois jogos.)

O STJD agiu com “jeitinho” rasgando as regras e o bom senso, tal como o STJ faz recorrentemente com garantias e direitos. Qualquer alienado é capaz de perceber as semelhanças entre a sociedade e o futebol.

Realmente o esporte bretão é a atividade mais humana que existe. Estão presentes vários elementos inerentes à humanidade: interação, competição, regras rasgadas e descumpridas, dirigentes, promessas, poder, transações, dinheiro sem origem, “jeitinho”, torcedores que ignoram o óbvio, o flagrante, o latente face seu amor cego (até idealista) tal como partidários fazem levantando bandeiras de uma ou outra cor, defendendo muitas vezes personalidades de moral questionável ou notoriamente reprováveis, mas do “seu time”.

Apesar de tudo isso o futebol é o mais humano dos atos destes macacos carecas (que habitam na bola representada pela crosta que resfria em torno de minérios ígneos que flutua no espaço gravitando uma esfera de gás incandescente na periferia de um apanhado de tantos outros corpos celestes de formato similar) por exatamente explorar e escancarar suas falhas de caráter e também seus melhores predicados como a bondade, a perseverança, o trabalho e a esperança.

Um exemplo simples ocorreu ao final do ano passado com a tragédia da chapecoense. Em que pese a ganância e a irresponsabilidade do piloto-sócio da LAMIA ter causado a morte de vários pares (e a sua inclusive), o que vimos mundo afora e principalmente do povo colombiano foi algo tocante. Podemos dizer que nossos conceitos de empatia e solidariedade atingiram outros patamares, definições.

Uma simples partida ao acaso, qualquer uma, pode, por exemplo, dar lições, exemplos utilíssimos nos dias de hoje. No embate de volta válido pela Copa do Brasil entre Paraná e ASA, o capitão paranista Brock errou três dos seus primeiros lances. Na segunda etapa, desperdiçou a penalidade que classificaria a equipe de Curitiba à fase seguinte mas, nas cobranças das penalidades, foi ele o autor do gol com um belo arremate, garantindo a classificação dos tricolores.

Um pai que foi nessa partida pode usá-la como exemplo ao filho, utilizando os fatos como motivação para que o mesmo jamais desista; demonstrando que caso erre, poderá, com trabalho e dedicação ter a oportunidade para acertar e atingir seu objetivo. Tais ensinamentos valeriam também para si, com aplicação no seu trabalho, em seu lar, nos seus locais de convivência.

Não, futebol não é apenas um jogo. Movimenta uma série de profissionais não apenas do esporte, mas de suporte, imprensa, médicos, patrocinadores e apresenta a todos estes e aos espectadores uma nova história a cada partida, uma nova possibilidade, recomeço, assim como um novo dia ou ano representam páginas em branco, novas histórias e, oportunidades.

Diante de tudo isto, mesmo com as dificuldades e contra a lógica, porque desconsiderar que o Leão da Estradinha consiga frente o Londrina, seja num jogo fora ou no ida-e-volta, escrever uma história de superação, exemplo a vários parnanguaras?

Ainda com a certeza de que futebol é apenas um “jogo”?

David Formiga - Narrador Esportivo na Rádio Paraná Clube

A publicação deste colunista não reflete, necessariamente, a opinião do portal Nosso Paraná.

Deixe o seu comentário