Leia a entrevista concedida para a revista Exame.com
Reprodução

Em meio ao turbilhão político causado pela delação premiada do Grupo J&F, o governo indicou o jurista Torquato Jardim para o Ministério da Justiça.

Vindo do Ministério da Transparência, Jardim já começou no cargo sob o escrutínio público. Isso porque sua indicação foi vista como uma possível tentativa do governo de interferir nos rumos da Lava Jato. A Polícia Federal, parte importante das investigações que incomodam políticos de todos os escalões, fica dentro da estrutura do ministério. O novo ministro, no entanto, nega essa intenção repetidamente.

Por outro lado, desconversa quando se fala sobre a substituição do diretor-geral da PF, Leandro Daiello, tema que afirma estar presente em 10 de 10 conversas que tem com jornalistas. A EXAME Hoje, Jardim disse que tem um trabalho de absoluta lealdade com Daiello, mas que todos terão sucessores algum dia.

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Jardim também faz críticas e defende um controle maior sobre o Ministério Público, que diz cometer excessos “como todas as outras instituições do poder público”.

Jardim recebeu a reportagem de EXAME Hoje na noite de terça-feira em seu gabinete, na sede do ministério, e, além desses temas, também falou sobre a crise dos passaportes, as falhas que considera haver nas delações premiadas e o que fez no seu primeiro mês a frente da pasta.

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Confira a entrevista

O Ministério da Justiça tem um orçamento de 16 bilhões, mas na semana passada a Polícia Federal suspendeu a emissão de passaportes por uma falta de recursos…

[Interrompe] Contingenciamento. É preciso distinguir contingenciamento de corte. Nem todos se dão conta disso. Contingenciamento você gasta quando tem. Do contrário, como se fez no passado, quando se gastava sem ter, se colocava títulos no mercado, aumentava a dívida pública, retirava crédito e aumentava o juro, o que fazia faltar crédito na ponta para o setor privado. O que fizemos foi contingenciamento. A Polícia Federal foi contingenciada em 400 milhões, já recebeu 170 milhões disso e a diferença vai chegar em setembro. Não há problema.

Mas o Ministério da Justiça não poderia ter antecipado isso, sendo que a Polícia Federal havia mandado nove avisos para o Ministério da Justiça e para o Ministério do Planejamento?

Esse operacional foi antes de eu chegar e eu não posso opinar sobre. Eu posso responder pelos últimos 30 dias.

Hoje, o jornal O Estado de S. Paulo publicou que o diretor-geral da Polícia Federal, o Leandro Daiello, está com a saída acertada. Está?

Estou aqui há quatro semanas e meia. Todas as entrevistas fazem esta pergunta. Posso até me reportar às respostas anteriores todas e vai ser a mesma resposta desta vez. O Daiello e eu estamos trabalhando na mais absoluta lealdade pessoal e profissional. Estamos pensando a Polícia Federal institucionalmente no eixo que traçamos: tecnologia, mais adidos no exterior para cooperação, mais gente treinando lá fora. Ele vê a Polícia Federal da mesma maneira que eu vejo, é uma visão conjunta. Há muita coisa que a Polícia Federal faz que não precisa fazer. É uma mão de obra cara, são quatro carreiras custosas (delegado, agente, papiloscopista e perito). Então, por exemplo, o controle das empresas privadas de segurança. Isso tem que ser dos estados. Por que tem que ficar com a Polícia Federal? A emissão de passaporte… Isso é cartório. A Polícia Federal, com esforço, mantém 192 postos de entrega de passaporte no Brasil. Tem brasileiro que viaja 1.600 quilômetros para pegar o passaporte, entre idas e vindas. Então, tem que se fazer um convênio e acordo de trabalho com uma instituição federal, seja Banco do Brasil, seja Caixa Econômica, e instalar isso em 1.200 postos. O software é o mesmo, só depende de multiplicar os postos e treinar mão de obra. Então, temos essa visão em comum. Além disso, a Polícia Federal tem um papel constitucional muito importante. Ela é a Polícia Judiciária do poder Judiciário Federal. Então, há uma separação e esse lado da Polícia Federal não se reporta ao Executivo, mas ao juiz federal ou ao tribunal federal. Pouca gente sabe, mas hoje, em curso, a pedido da Justiça Federal, a PF está realizando 473 operações especiais. Uma delas é a Lava-Jato, mas há outras que também tem que ser feitas, e se esse pessoal que controla o passaporte ajudar a atender essas demandas, teremos mais gente para fazer mais trabalho, com mais qualidade, atenção e velocidade.

Se o senhor ouve essa pergunta há 34 dias, em todas as entrevistas, porque o senhor não dá uma resposta definitiva?

Porque a finalidade desse trabalho em conjunto não é escolher o sucessor [de Daiello]. A finalidade do trabalho é conceber a nova Polícia Federal.

Teremos um sucessor, então?

Todos teremos sucessores. Estou sucedendo dois ministros do mesmo governo (risos).

O senhor foi nomeado em um momento de grande crise institucional, principalmente pela delação do Grupo J&F. O governo tem criticado o Ministério Público e o próprio Joesley Batista. O que o senhor acha da maneira como essa delação foi homologada e divulgada?

Eu não posso responder como advogado, não sou advogado das partes. Se eu fosse, você não estaria aqui me entrevistando, já que procurou um ministro de Estado. O que já disse em várias outras entrevistas é que tenho uma preocupação rigorosamente institucional de como se opera o Direito brasileiro, de que se faça uma leitura mais rigorosa da própria Constituição. Então, iniciar contra qualquer pessoa, qualquer cidadão, uma ação penal, sem ter certeza da validade objetiva do documento que dá fundamento à ação, seja na fase de inquérito ou na judicial, é preocupante. Não sou eu somente que estou dizendo isso, os principais jornais e os principais juristas brasileiros publicaram já muitos artigos e editoriais fazendo essa crítica. É preciso que a sociedade perceba que, seja qual for a acusação, contra quem quer que seja, não pode haver voluntarismo. Que não haja razões subjetivas ou pessoais para atuação. A atuação tem que ser rigorosamente institucional. Esse é o quadro que descrevo diante do que está aí. Mas para fatos concretos, tem que procurar os advogados dos diversos réus.

Na época da troca do comando no ministério, quando o senhor veio para cá, muitos artigos e reportagens da imprensa afirmavam que o governo trazia o senhor por estar descontente com o ex-ministro e como uma forma de controlar a Polícia Federal. Como o senhor viu isso?

A única coisa que me incomoda é o juiz marcar pênalti contra o Flamengo aos 46 do segundo tempo. O resto eu convivo. E lembrando a história da dupla face constitucional da Polícia Federal, não há como inibir essa face constitucional judicial dela.

Vivemos um momento de instituições fragilizadas?

Não. Até porque a crise é permanente. Isso vem desde os filósofos gregos. Ninguém cria fora da crise. Ela é um estado permanente. E a outra permanência humana é a mudança. Para ser menos genérico e falar do caso brasileiro, temos uma grande interrogação institucional, que é importantíssima:  qual é a figura institucional do Ministério Público?. Todas as demais instituições têm isso definido, nós nos reportamos ou ao legislativo, ou ao executivo ou ao judiciário. O Ministério Público não reporta a nenhum dos três. Então, não sei se intencionalmente, ou inadvertidamente, o constituinte de 1988 criou um quarto poder. E esse quarto poder, ele próprio, ainda não definiu seu perfil, porque se tem no Ministério Público uma autonomia funcional sem hierarquia de qualquer natureza. Então, se tem uma instituição nova no esquema constitucional e na noção sociológica de instituição, se tem uma quebra porque não há hierarquia, que é inerente a todas as relações humanas coletivas, desde a casa até a mais sofisticada empresa privada ou pública.

Como ela pode acertar isso?

Não sei. Não sou procurador, não vivo a intimidade da instituição e não me é possível imaginar uma solução.

Dito isso, em certos momentos o Ministério Público comete excessos?

Todos cometemos excesso. Todos os atuantes e instituições do setor público cometem excessos. Só que, na independência e harmonia dos poderes, todos eles têm controle. O Legislativo controla o Executivo e há o Judiciário para controlar os dois. E no Judiciário, há o Conselho Nacional de Justiça para controlar o magistrado. Então, se tem não só um sistema de dependência e harmonia entre os poderes como dentro de cada um se tem o controle interno. O Ministério Público que é a grande interrogação.

Falta controle ao Ministério Público?

Sim. Decisões importantes do Ministério Público são desfeitas por interpretação do Judiciário. E talvez pudessem ser evitadas se houvesse mais debate interno. Justamente porque há um voluntarismo livre na independência funcional que não raro se tem uma correção judicial.

A operação Lava-Jato usa a tática de tornar público o máximo possível de fatos como uma forma de manter um controle social sobre o andar das investigações. Ao mesmo tempo, isso causa um problema que é correr o risco de a opinião pública condenar nomes que ainda estão sob investigação. Esse risco vale a pena?

Quando se barganha a “plea bargain” no exterior, já se entrega toda a prova. Na delação premiada, divulgando antes da hora, se tem apenas um início de prova. O que precisa ficar mais claro no Brasil é que delação não é denúncia, sentença ou condenação. No momento que se está citado, se está condenado no tribunal da opinião pública. Se for um político, ele está condenado perante seu eleitorado, e aí na próxima campanha eleitoral seu adversário vai mostrar no panfleto isso. Então, nessa perspectiva, é que você começa a perceber na imprensa brasileira artigos e editoriais que começam a colocar em questão essa história da divulgação e começam a pedir a revisão de como operar o instituto. Não é negar a validade da delação premiada, mas procurar a melhor forma de utilizá-la.

O que precisa mudar no nosso modelo de delação premiada?

O silêncio. É fundamental. Não faz sentido. Se alguém faz a delação premiada às cinco da tarde, sai no jornal das 22h. O delatado descobre na televisão, ele nem foi intimado a responder ainda.

Isso está sendo utilizado politicamente?

Não sei. Essa motivação dos outros eu desconheço.

A democracia brasileira corre riscos? Não no sentido de riscos passados, como ditadura militar, que superamos, mas de um “aventureiro” com um discurso que nega a política?

Esse é um perigo. Para mim, é até um pouco autobiográfico. Passei toda a minha infância, nos anos 1950 e início dos 1960, ouvindo a mídia conservadora, a UDN e larga parte dos militares e da Igreja Católica a falarem mal da política, a falarem mal do Congresso. Deu no que deu. Entre 1961 e 1964 caíram as instituições democráticas no Brasil. Esse discurso é ruim, porque nada é mais a cara do Brasil do que a Câmara dos Deputados. Como disse o ministro Paulo Brossard [ex-ministro da Justiça e do Supremo Tribunal Federal], “a Câmara dos Deputados ressoa o Brasil, no que tem de melhor e no que tem de pior”. Eu acho que a grande transição que o Brasil vive é para chegar no primeiro domingo de outubro de 2018 e reeleger a Câmara dos Deputados e dois terços do Senado. Aí sim o eleitor, que é dono do poder, vai escolher quem são os seus representantes. Qual é a cara desse novo Brasil, se é que haverá uma cara tão nova e um Brasil tão novo.

Isso o preocupa?

Não me preocupo porque tudo que se passa, se passa de acordo com a Constituição. Agora, temos o governo Michel Temer, que trata permanentemente com os parlamentares. Difícil imaginar um governo que, em tão pouco tempo, conseguiu aprovar tantas medidas importantes no Congresso Nacional. Então, temos que ver que está funcionando. O que acho que é preciso separar são os diversos ângulos da vida nacional. A economia está descolando bem, por exemplo.

Então o senhor não vê o governo fragilizado, mesmo com sucessivas notícias negativas? O ex-ministro Geddel Vieira Lima foi preso na segunda-feira…

Não vejo. Vejo que há muito ódio e ressentimento. Disse isso no meu discurso de posse. Isso precisa acabar, tem que superar, há muita raiva embutida. As próprias acusações que se imputam a esse governo, é como se tudo tivesse acontecido nesses últimos treze meses,  como se não houvesse nada de treze anos antes. Quando se fala de BNDES, tudo aconteceu 13 anos antes, não foi agora. Então essa desinformação, essa pós-verdade, também atrapalha muito o diálogo.

Mas a reforma trabalhista vem sendo adiada, era para passar no início de junho; a da Previdência está completamente sem previsão…

Estão passando. A trabalhista passa semana que vem. A da Previdência, não sei, vai ficar para depois, mas pelo menos ela é negociada. Em 1977, fechou-se o Congresso para fazer pacote constitucional. Nós estamos negociando com o Congresso. O máximo que pode acontecer é que o próximo presidente da República, já em 2019, tenha que fazer uma nova reforma da Previdência, porque os números não mentem e precisamos dela.

Nesse processo de crise acentuada, principalmente no último mês, o senhor se aproximou do presidente e da cúpula do governo. Como foi essa aproximação?

Eu nunca fiquei distante.

Mas agora vemos o senhor nas principais reuniões.

Eu já participava, mas vocês [jornalistas] me vigiavam menos (risos).

Um dia antes da divulgação da delação premiada do Grupo J&F, o senhor [então ministro da transparência] tinha levado até o presidente um projeto que pretende regulamentar o lobby no âmbito do Executivo…

[Interrompe] A Casa Civil reviu e está de volta na Transparência para dar a formatação final. Agora já está fora da minha pasta.

Mas no dia seguinte veio à tona que o presidente havia recebido um conhecido empresário às 23h, o que não se encaixaria no projeto [um dos pontos do projeto é justamente obrigar a todos os servidores públicos a divulgarem a agenda de reuniões]…

Sobre isso já falei muitas vezes. Vou repetir. Michel Temer é um parlamentar. Parlamentar que não recebe, não ganha eleição. Tem que receber as pessoas, tomar quatro cafés da manhã, três almoços e quatro jantares. Então, faz parte da cultura parlamentar. Você, como repórter, sabe disso. Vão te receber a qualquer hora. Então, há uma cultura informal. O que talvez, se eu pudesse observar, é que o presidente, por temperamento pessoal de simplicidade e pela afabilidade típica do parlamentar, ele não incorporou a pompa e circunstância do cargo.

Mas isso não é algo necessário ao cargo de presidente?

Isso é outra história. Se é necessário eu não sei, mas ele não incorporou como outros presidentes que passaram incorporaram. Pode ver que nem fotografia oficial tem.

Qual a sua avaliação desse um mês e alguns dias no Ministério da Justiça. Houve algumas crises…

Aqui no ministério não houve crise alguma. Eu dei um pulo de 85 milhões para 16 bilhões de orçamento. Literalmente, aqui eu vou da tanga à toga. Hoje já recebi índios e já tratei com magistrados. E aí, ao longo do dia, você trata de todos os assuntos, além de parlamentares. Recebo de seis a oito por dia. Então, o ritmo é maior, não quer dizer que eu esteja trabalhando mais. Na Transparência se tem mais tempo para pensar, ler, estudar, conceber um programa. Estabeleci quatro eixos de trabalho. O primeiro eu estou chamando de Segurança Pública, Tecnologia e Integração, que é modernizar e juntar todo o aparato de segurança pública do ministério, Secretaria de Segurança Pública, Departamento Penitenciário, Secretaria Nacional de Justiça, Funai, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal para unirmos interesses em comum e para racionalizar as compras.

O senhor falou de integração, mas não fica difícil quando mesmo dentro dos estados as corporações não se conversam? Aí não é a nível federal, mas isso influencia na atuação da segurança pública…

É isso que nós temos que superar. Veja, por exemplo, a Força Nacional. Você reúne na mesma tropa 2.000 pessoas de vários estados, são níveis de treinamento diferentes, filosofias de ação diferentes, métodos de ação diferentes, então a Força Nacional é um grande embrião, uma notável experiência. Os membros passam a ter um padrão nacional de formação, e é isso que temos que expandir e aproveitar essa experiência, por meio da tecnologia em primeiro lugar.

Fonte: Exame.com

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